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sexta-feira, 2 de julho de 2010

O Segredo das Massas de Torta e Quiche: Informações Complementares II : PREPARO DA MASSA



Tenho um amigo muito engraçado, que fazia arquitetura e adorava dizer que "todo arquiteto ou era doido ou era bicha." Mas que ele ainda não tinha se decidido... Depois destes estudos todos sobre massa de torta e quiche, pensei com os meus botões: "será que eu sou doida ou sou perfeccionista?" Também ainda não me decidi...

Este é o segundo post consecutivo sobre O segredo das massas de torta e quiche, onde será vista a importância científica do Preparo da Massa. Todas estas informações foram-me extremamente úteis, pois faço hoje qualquer massa com a certeza do sucesso, pois passei a conhecer a importância científica de cada ingrediente e de cada etapa da confecção, de forma que eliminei ao máximo os meus erros. Desejo que estas informações possam transformá-la numa expert em massa e que suas massas se tornem as mais perfeitas possíveis, de forma que todos lhe digam que NUNCA provaram nada nem parecido...
PREPARO DA MASSA
1.1. Mistura manual dos ingredientes: Ponha numa tigela todos os ingredientes secos (farinha, sal, açúcar etc.), misture-os e acrescente a gordura (manteiga, margarina, banha etc.) bem gelada e cortada em pedaços bem pequenos. Com as pontas dos dedos vá esfregando a gordura na farinha para que todos os grãos de amido fiquem envolvidos pela gordura, dificultando a formação de glúten. Acrescente o líquido aos poucos, preferencialmente borrifando-o com as pontas dos dedos e amassando a massa delicadamente, colocando apenas a quantidade de líquido suficiente para obter uma massa lisa e homogênea.

1.2. Mistura dos ingredientes no processador de alimentos: Empregue a lâmina de metal (faca) para tal tarefa e use sempre a manteiga (ou outra gordura) bastante gelada por causa do calor gerado pelo processador. Pique bem a manteiga. Utilize sempre a função pulsar, não somente na fase de misturar os ingredientes secos com a gordura, como em todas as fases de mistura da massa, e o faça rapidamente, várias vezes, em pulsos curtos de não mais que 20 segundos, para não supermanipular a massa (livro 2: p. 89). Os líquidos adicionados (água, leite, ovo, creme de leite etc.) também devem estar bem gelados. Assim que se formar uma bola maior de massa e mais uns 2 ou 3 pedaços menores em que você vê que os ingredientes foram misturados porque a massa tem aspecto homogêneo, pare de pulsar e forme uma única bola de massa unindo a bola maior e outros pedaços.

MEU: A minha experiência com o processador mostrou-me que em quantidades maiores que 300g de farinha, ele se torna primordial, e se você aprender que os pulsos curtos são realmente essenciais, obterá uma massa tão perfeita como jamais mãos humanas poderão fazer. Fico magoada porque vi “zilhões” de receitas que usavam o processador e apenas diziam para pulsar, pulsar, pulsar... Ninguém nunca me disse para usar pulsos curtos, de não mais que 20 segundos. Todas as minhas massas ficavam supermanipuladas. Não ficavam duras porque eram massas podres, isto é, tinham gordura demais para prevenir a formação de glúten. Só muito, mas muito recentemente mesmo, foi que encontrei a instrução correta de usar pulsos curtos. Coisas de aprendiz de cozinheira...

2. Descanso da massa na geladeira: Embrulhe a bola de massa em filme de PVC ou saco plástico hermético e leve para gelar por... Aqui “a porca torce o rabo”, pois o tempo prescrito varia de 1/2 a 1 hora de descanso na geladeira segundo a maioria dos autores, chegando alguns a dizerem que o ideal são 2 horas gelando, outro indicando 4 horas, enquanto ainda um outro preconiza que a massa deve ficar de um dia para o outro na geladeira (24 horas). Qual o tempo ideal? Resolvi testar para saber. Os detalhes da pesquisa encontram-se abaixo*. O tempo ideal, segundo a pesquisa que fiz, é de 2 horas de descanso na geladeira, o qual faz com que a massa, após assada, fique significativamente mais macia do que com os tempos menores de ½ e 1 hora, respectivamente.
O descanso na geladeira permite que a água (ou outro líquido que a contenha) penetre nos grãos de amido para formar algumas gomas que unam a massa, processo que se faz lentamente porque a manteiga dificulta a entrada da água nos grãos de amido. Gelar a massa após misturados os ingredientes faz com que muitas das cadeias de glúten que começaram a se enrolar, mas ainda não se formaram completamente, se desenrolem, não formando cadeias completas, que endurecem a massa. Daí porque se deve deixar a massa descansar na geladeira.


*TESTES DE DESCANSO DA MASSA NA GELADEIRA (feitos por mim): Usei a massa do Quiche de Palmito, Presunto e Mussarela, a qual acho um tanto dura, parecendo-me então mais fácil verificar sua maciez ao longo do tempo de descanso na geladeira. Empreguei todos os ingredientes gelados e usei o processador para a manipulação, seguindo as recomendações indicadas no item 1.2. Separarei a massa em 5 porções iguais, enrolei-as em filme de PVC e numerei-as, usando caneta permanente, com o tempo de descanso de cada uma na geladeira: ½ hora, 1 hora, 2 horas, 4 horas e 24 horas. O forno foi aceso a 220º, 15 minutos antes de completar o tempo de descanso de cada uma das massas, com exceção das duas primeiras, cujos tempos se superpunham (e eu só tenho um forno). Todas foram abertas com rolo diretamente sobre a bancada, tendo sido o rolo e a bancada ligeiramente enfarinhados. Cada uma assou durante 20 minutos e foram retiradas da assadeira e postas para esfriar sobre uma grade.


**RESULTADOS DAS MASSAS APÓS ASSADAS:
A maciez da massa que gelou ½ hora não se diferenciou daquela que gelou 1 hora. Já a que gelou 2 horas mostrou uma maciez significativa maior que as duas primeiras. Até para abrir com rolo ela foi muito mais fácil. A quarta massa, que passou 4 horas gelando, ficou ligeiramente mais macia que a que gelou 2 horas, contudo mostrando uma diferença muito sutil. E a de 24 horas? Fiquei na maior expectativa. Que decepção! Não ficou nada, nadinha, absolutamente nada mais macia que as que gelaram 2 e 4 horas. Então, por esta pesquisa, conclui-se que o tempo ideal de descanso de uma massa na geladeira é de 2 horas.



Obs:
Testei também a massa do Chef Álvaro Rodrigues que usei no Empadão de Frango com Catupiry. Com 2 horas de descanso de geladeira, realmente a massa, após assada, ficou bem mais macia que a que teve apenas 1 hora de descanso.


3. Forma correta de abrir a massa com o rolo: Achate a bola de massa com as mãos, deixando na forma de um disco espesso. Abra a massa sobre um pedaço de plástico ligeiramente enfarinhado e lembre-se de enfarinhar o rolo, ou abra-a entre dois plásticos ligeiramente enfarinhados*. Use pouca farinha nos plásticos para não alterar a composição da massa. Faça sempre movimentos com o rolo, do centro da massa para as bordas, usando pouca força. Alivie a pressão na borda para que ela não fique mais fina que o restante da massa. Pense no disco de massa como um relógio, então inicie pela posição de 12 horas, sempre partindo com o rolo do centro da massa para a borda. Vá para a posição 6 horas e repita o processo. Depois, coloque o rolo nas posições de 3 e 9 horas, fazendo a mesma coisa. Então, continue a abrir com o rolo como se fosse um relógio, levando para as diferentes horas (1, 7, 4 e 10 horas). Para melhor compreensão, veja “How to roll out perfect piecrust” no site Fine Cooking. Após abrir com o rolo e obter a espessura ideal, deixe a massa descansar 10-20 minutos antes de cortá-la no tamanho e forma desejados para a sua forma.

*Testei diversos tipos de plástico para abrir massa de torta. O que mais gostei foi daquele azul claro de 50 litros para lixo, bem fino, da marca Tubarão. Corto o fundo com tesoura, dobro ao meio no sentido do comprido, corto aí e depois corto as laterais, de forma que fico com 4 pedaços de plástico. Se a massa for sequinha (que não seja massa podre), uso somente um pedaço sobre a bancada e passo o rolo, ligeiramente enfarinhado, diretamente em cima da massa. Se a massa for mole (tipo podre), prefiro usar outro pedaço por cima, após enfarinhá-lo, e passo o rolo por cima do plástico.

4. Descanso da massa após abri-la com rolo: Ao abrir a massa com rolo, falamos em deixá-la descansar 10-20 minutos antes de cortá-la na forma e tamanho desejados. Caso não se permita o descanso, o estresse produzido pela ação do rolo fará com que ela contraia durante o cozimento e sofra alteração na sua forma. Se você abrir a massa e cortar imediatamente um círculo, quando assar, ela vai encolher e terá a forma de uma elipse (livro 1: p.178). A força empregada no rolo também é importante, pois gera estresse na massa que, ao assar posteriormente, haverá de encolher. Ao abrir a massa, empregue sempre pouca força no rolo para reduzir a quantidade de estresse introduzida na mesma. O descanso da massa após abrir com rolo também faz com que algumas proteínas que ficaram um tanto enroladas, relaxem e não formem glúten (livro 1: p.179).

5. Adaptação da massa à forma: No momento de adaptar o disco de massa (que foi aberto com o rolo e já descansou 10-20 minutos), tenha todo o cuidado de evitar esticar a massa para adaptá-la à forma, pois na hora de assar, as tensões serão liberadas e a massa sofrerá encolhimento em todos os locais onde foi esticada.

6. Cozedura da massa: Para assar a massa sem recheio e sem que o fundo forme bolhas de ar e levante, corte uma pedaço de papel-manteiga uns 6-8cm maior do que o diâmetro da forma, amasse na mão fazendo uma bola de papel de uns 5cm de diâmetro, desenrole e coloque no fundo da forma, com grão de feijão cobrindo toda a extensão do fundo da forma. Asse em forno pré-aquecido por 10 minutos, retire o papel e os feijões e leve para assar por mais 10 minutos, coloque o recheio e leve-o para assar junto com a massa. Caso o recheio não precise assar, deixe a massa 15 minutos no forno ou até corar. Se o fundo da massa levantar nos primeiros 10 minutos de cozedura, quando se retira o papel-manteiga e os feijões, fure a parte (ou partes) levantada com um palito de dentes, abaixe a massa com ajuda de um pano de prato, tape o furinho (ou furinhos) com um pouco de massa crua e leve novamente ao forno. Fica perfeito.


TÉCNICAS PARA REDUZIR O GLÚTEN E OBTER UMA MASSA MAIS MACIA

. Gelar a massa após misturados os ingredientes faz com que muitas das cadeias de glúten que começaram a se enrolar, mas ainda não se formaram completamente, se desenrolem, não formando cadeias completas, que endurecem a massa. Daí porque se deve deixar a massa descansar na geladeira.

. Use sempre água gelada para manter a manteiga e a farinha geladas. Use a menor quantidade de água possível. Água extra desenvolve glúten extra (livro 2: p.89).

. O ideal é que todos os ingredientes da massa estejam gelados e saiam diretamente da geladeira para a tigela ou processador. Por quê? Porque a baixa temperatura dificulta a formação das cadeias de glúten e teremos, então, uma massa mais delicada e macia (livro 1: p. 180).

. Em baixas temperaturas, as proteínas absorvem menos água. Assim, é de bom alvitre manter geladas tanto a farinha de trigo quanto a água a serem usadas. Claro, isto resultará em menor quantidade de glúten e numa massa mais macia (livro 1: p.178)

. Algumas receitas pedem para adicionar vinagre na massa. Qual o objetivo? Como o vinagre é ácido, ele age quimicamente sobre as cadeias de glúten, quebrando-as, e mantendo a massa, portanto, mais macia (livro 2: p.83).

. Algumas massas usam óleo, o qual envolve tão completamente os grãos de amido que não se desenvolvem as cadeias de glúten. Embora a massa resultante seja muito macia, ela é farinhenta e não, escamosa, como as que usam manteiga, margarina ou banha (livro 2: p.89).

. Lembre-se: não são só os ingredientes que geram cadeias de glúten, a maneira de manipulá-los contribui imensamente para uma maior ou menor formação dessas cadeias (livro 2: p.83). Quanto mais sovar a massa, maior quantidade de cadeias de glúten se formará e mais dura ela ficará no final.


DESCANSO DA MASSA PARA EVITAR CONTRAÇÃO NA COZEDURA
Ao abrir a massa com rolo, o ideal é deixá-la descansar 10-20 minutos antes de cortá-la na forma desejada, caso contrário, o estresse produzido pela ação do rolo fará com que ela contraia durante o cozimento e sofra alteração na sua forma. Se você abrir a massa e cortar imediatamente um círculo, quando assar, ela vai encolher e terá a forma de uma elipse (livro 1: p.178). A força empregada no rolo também é importante, pois gera estresse na massa que, ao assar posteriormente, haverá de encolher. Ao abrir a massa, empregue sempre pouca força no rolo para reduzir a quantidade de estresse introduzida na mesma. O descanso da massa também faz com que algumas proteínas que ficaram um tanto enroladas, relaxem e não formem glúten (livro 1: p.179).

Obs: No livro 1, o autor fala em deixar a massa descansar 10-20 minutos após misturá-la ou usar o rolo, mas não especifica que deva ser levada à geladeira, como muitas receitas recomendam. Recomenda, sim, que todos os ingredientes estejam gelados e sejam tirados diretamente da geladeira à proporção que deles se necessitar.


COMO OBTER UMA CROSTA DE TORTA RESISTENTE (FORTE)
Quando você deseja uma massa resistente após assada, embora não muito dura, use 1 ovo ou mais, dependendo da quantidade de massa desejada. A clara de ovo é composta por 90% de água e 10% de proteína (albuminas). Estas últimas, quando coagulam, reforçam a estrutura da massa. É uma boa pedida para quem quer uma crosta de torta forte, capaz de receber um recheio pesado sem rachar (livro 2: p.83).

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Você notará que aqui há muita repetição nos diferentes tópicos, mas fazem parte da didática que diz que nosso cérebro grava melhor aquilo que vê, lê ou ouve várias vezes. Desejo ter contribuído para aumentar seus conhecimentos sobre massa de torta /quiche e que eles lhe sejam úteis na sua prática.

E, se você sabe de alguma dica que aqui escapou, peço a gentileza de dividi-la conosco, está bem?

Abraço amigo e afetuoso, Laura Lucia

sexta-feira, 25 de junho de 2010

O Segredo das Massas de Torta e Quiche: Informações Complementares I : INGREDIENTES DA MASSA

Como achei que o post aqui publicado, Os Segredos das Massas de Torta e Quiche: Um Cientista na Cozinha, baseado no livro Um Cientista na Cozinha, do Hervé This, havia deixado algumas lacunas, mandei buscar dois livros de culinária científica na livraria virtual Amazon.com com objetivo de preenchê-las e termos mais embasamento para fazer nossas massas da forma mais perfeita possível, entendendo nossos acertos e simultaneamente corrigindo os erros de nossa prática.
Comprei The Science of Cooking (que vou chamar de livro 1), do Peter Barham, e The Inquisitive Cook (que chamarei de livro 2), de Anne Gardiner & Sue Wilson. Este último trata especialmente de massas para tortas doces, todavia muitos dos princípios são os mesmos para as tortas salgadas. Naveguei por diversos sites em inglês, além dos em português, e vi muitas dicas sobre como obter uma massa de torta perfeita, mas aqueles realmente significativos e de muita valia foram Whats Cooking América, Fine Cooking e Fantes. Penso que agora nossos conhecimentos ficarão mais completos, embora não totalmente completos, porque acredito que sempre teremos algo mais a aprender e que é isto que faz a vida ser interessante. No dia em que eu achar que aprendi tudo, cavo meu túmulo, deito-me dentro e ficarei “com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar”, pois a vida deixará de ter seu sal, seu sabor, seu sentido...

Para que o assunto ficasse mais simples, dividi-o em Informações complementares I e II, e os publicarei em dois posts consecutivos. No primeiro, encontrar-se-á a importância científica dos Ingredientes da Massa e, no segundo, a importância científica do Preparo da Massa.
INGREDIENTES DA MASSA

1. Temperatura dos ingredientes: todos os autores são unânimes ao afirmar que a gordura (manteiga, margarina, banha etc.) e o líquido, ou líquidos, usados (água, leite, creme de leite, ovos etc.) devem estar bem gelados, objetivando reduzir a formação do glúten, o qual, na presença de líquido e de uma manipulação exagerada da massa, forma uma rede dura e elástica que é responsável por gerar uma massa de torta rígida. Outros autores são tão perfeccionistas que consideram que todos os ingredientes devem sair diretamente da geladeira para a tigela ou processador, além de gelarem a tigela e o garfo para misturar a massa. Por quê? Porque a baixa temperatura dificulta a formação das cadeias de glúten e o resultado final, logicamente, será uma massa mais delicada e macia (livro 1: p. 180). Se, ao contrário, você esquentar a massa passando para ela o calor de sua mão, ela ficará dura após assada, pois o calor facilita a formação de glúten.

2. Farinha de trigo: a quantidade de proteína na farinha de trigo é muito importante na qualidade final da massa. Quanto mais proteína, mais glúten e mais possibilidade de se obter uma massa endurecida. Leia sempre a tabela que vem impressa no saco de farinha de trigo, chamada de Informação Nutricional (foto 3) (livro 2: p.81). Ex: se para 50g de farinha há 5g de proteína, então a farinha contém 10% de proteína. Se estiver escrito que tem 6g de proteína numa porção de 50g de farinha, haverá 12% de proteína. A melhor farinha para uma massa de torta/quiche macia será aquela com menos proteína, a qual resultará em menor formação de glúten e, consequentemente, numa massa mais branda ou macia. Então, no caso das duas farinhas acima, a melhor escolha é a com 5g ou 10% de proteína. A percentagem ideal de proteína na farinha para massas de torta, segundo o Livro 2, é de 7,5-9%. Aqui em Fortaleza nunca vi. A de menor quantidade de proteína que encontrei tem 10% (5g numa porção de 50g).

Quando se usa uma farinha de trigo que contenha mais proteína (mais de 12-13%), para a massa sair mais macia deve-se aumentar a quantidade de gordura, pois isto faz com que se formem apenas cadeias curtas de glúten (livro 2: p.88), obtendo-se, assim, uma massa mais delicada e quebradiça.

3) Gordura (manteiga, margarina, banha etc.): Já dissemos que a gordura deve estar bem gelada, entretanto há quem diga que o ideal para reduzir a formação de glúten é usá-la congelada, embora um dos autores pesquisados afirme que a gordura congelada não é melhor do que a gelada. Bem, além de ter que estar gelada, ela deve ser cortada em cubos bem pequenos, tendo em vista que isto fará com que a gordura envolva mais facilmente os grãos de amido, processo este que é um redutor da formação de glúten. Em inglês, as gorduras são chamadas de “shortning”, que significa encurtamento, em virtude tanto de dificultarem a formação de glúten como de tornarem mais curtas as cadeias de glúten que conseguem formar-se, obtendo-se, conseguintemente, uma massa mais delicada, mais macia.

O tipo de gordura que você usa afetará tanto o sabor como a textura da massa, enquanto a quantidade afetará a sua maciez. Uma massa de textura escamosa, que é considerada a massa perfeita, se obtém quando pedacinhos não derretidos de gordura ficam entre camadas e camadas de farinha, de forma que quando a gordura é derretida pelo calor do forno, as camadas de farinha ficam superpostas uma sobre as outras, dando a tal textura escamosa da massa.

Algumas massas usam óleo, o qual envolve tão completamente os grãos de amido que não se desenvolvem cadeias de glúten. Embora a massa resultante seja muito macia, ela é farinhenta e não, escamosa, como as que usam manteiga, margarina ou banha (livro 2: p.89).

4) Líquidos: Têm a função de umedecer a massa e, se empregados na quantidade certa, formarão algumas gomas que darão liga à massa, porém, sem endurecê-la. A água é um dos líquidos bastante utilizados. Use-a sempre gelada e coloque apenas o suficiente para umedecer a massa sem ensopá-la. O ideal é colocar a água borrifando com as pontas dos dedos e amassando delicadamente, até perceber que a massa está úmida e homogênea. Água extra tende a gerar glúten extra e o resultado desagradável de uma massa dura. Tudo que foi dito acima é verdadeiro para todos os líquidos, quer seja água, leite, ovo, creme de leite ou qualquer outro ingrediente que contenha água ou leite em sua composição.

O ovo exerce várias funções sobre a massa: 1) a clara do ovo torna-a mais rígida e resistente, o que é bastante desejável quando se utiliza um recheio pesado, o qual não seria suportado por uma massa macia e quebradiça. A clara de ovo contém 90% de água e 10% de proteína. Se você utiliza dois ovos de 51g, estará inserindo na massa 91,8g de água (muita água, não é?) e 10,2g de proteína. A água da clara ajudará a fazer a união entre os grãos de amidos e formará mais glúten durante a manipulação, se esta for exagerada; já as proteínas -- que se coagulam com o calor -- ajudarão a fortificar a massa, a qual será bem mais forte do que aquela que leva somente água; 2) a gema tem uma quantidade mínima de água (7%), sendo desprezível a formação de redes de glúten quando ela é empregada como único elemento umedecedor. Observe que toda massa que leva somente gema é do tipo quebradiço ou podre, pois sua quantidade de água é muito pequena e suas proteínas, quando coaguladas pelo calor do forno, unem os grãos de amido de forma muito fraca, fazendo a massa ficar quebradiça.

O creme de leite constitui um ótimo umedecer. Como tem água e gordura em sua composição, será a proporção presente destes elementos que determinará se ele fará a massa ficar mais, ou menos, macia . Leia sempre o rótulo com as informações nutricionais. O creme de leite Itambé de caixinha, que é o meu preferido por ser mais espesso, tem 20% de gordura (por isto mesmo ele é mais espesso). Lá no rótulo você verá que em 15g de creme de leite há 3g de Gorduras Totais, isto é, 20%. Lógico que qualquer creme de leite fará uma massa menos dura do que aquela em que se usa apenas água, em virtude da gordura presente na sua composição. Quanto maior for a percentagem de Gorduras Totais no creme de leite, maior a maciez da massa, porque maior a quantidade de gordura, que é um dos redutores de glúten. Lembre-se que está subentendido uma delicada manipulação da massa. Se a massa for sovada, só um milagre a fará ficar macia. Bem, como milagres não acontecem na minha cozinha – até agora, gente! --, uso as pontas dos dedos quando manipulo uma massa que quero que fique macia, tratando-a com a gentileza devida a uma fina dama da mais alta sociedade londrina de antigamente (só sei delas por romances: eram hipermimadas pelos gentis cavalheiros de outrora – o que devia ser deliciosíssimo, imagino).

Outro líquido usado para umedecer a massa é a vodka. Composta de 60% de água e 40% de álcool, ela adiciona umidade à massa sem aumentar a formação de glúten em virtude do glúten não se formar na presença de etanol (álcool). Preconiza-se substituir metade da água da receita por vodka. Desta forma, uma massa que leva 120ml de líquido, em que metade dele é substituído por vodka, quando o álcool for evaporado durante o cozimento, a torta ficará com apenas 96ml de água, resultando numa massa bem mais delicada e macia (site Serious Eats).

Dois líquidos empregados, embora raramente, são o vinagre e o suco de limão, todavia não com a função de umedecer a massa. Qual o objetivo, então? Tornar macia a massa da torta. Como o vinagre e o suco de limão são ácidos, eles agem quimicamente sobre as cadeias de glúten, quebrando-as e mantendo a massa, portanto, mais quebradiça e macia (livro 2: p.83). De acordo com o site Diana’s Dessert, a quantidade ideal a ser usada para alcançar os objetivos acima preconizados, sem alterar o sabor da massa, é de 1 colher de chá (5ml) de vinagre ou de suco de limão para cada xícara de chá (240ml ou 120g) de farinha de trigo da receita.

Um grande abraço, Laura Lucia
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Sei que poucas pessoas se interessam por tantas pesquisas e detalhes, mas sou maníaca por informações científicas e adoro testá-las na cozinha. E, se minha famosa preguiça faz optar-me por receitas simples, não tenho preguiça alguma para testar algo que desejo. Sou capaz de despender dias e meses testando, e com o maior entusiasmo do mundo!!! Assim, quem achar cansativo tão detalhado post, passe por cima e vá direto para as receitas, que pode ser bem mais divertido. Todavia, para os que têm paciência e desejam aprofundar-se no assunto, vêm mais umas coisinhas interessantes por aí...

Aguarde o próximo post: O segredo das massas de torta e quiche. Informações complementares II: PREPARO DA MASSA

sábado, 3 de abril de 2010

O Segredo das Massas de Torta e Quiche: Um Cientista na Cozinha

Roberto, meu irmão do meio, e eu temos grande curiosidade por assuntos que nada têm a ver com nossas profissões, medicina e odontologia, respectivamente. Rimos muito quando falamos da nossa mais nova moda em questão de conhecimentos inúteis – é assim que os chamamos --, e sempre fazemos questão de lembrar, com orgulho, que herdamos esta característica do papai: um curioso de carteirinha.

A minha lista dos últimos anos inclui os temas mais díspares: filosofia, matemática, física, psicologia comportamental e cognitiva, felicidade: sob a ótica da filosofia e da psicologia positiva (esta custou-me 12 meses e mais de R$5.000,00 em 2005), teoria da evolução, neurociência, genética, máximas, auto-ajuda, do-in e mais outras coisinhas aparentemente prescindíveis. No entanto, tenho aprendido grandes lições e as aplicado na vida, estudando estes assuntos.

Nos últimos meses, resolvi que tinha de aprender a fazer boas massas de quiche e de torta salgada. Não ria, mas estou hoje exatamente com 19 massas testadas!!! Obtive quatro massas excelentes: duas de quiche e duas de torta salgada, e 15 belas porcarias! Então decidi usar a matemática para compreender o que fazia uma boa massa. Somei, subtraí, dividi, multipliquei, usei proporção, regra de três e... nada!

Foi quando lembrei que, em 1996, comprei o livro Um Cientista na Cozinha, do francês Hervé This, que à época serviu-me apenas para satisfazer a curiosidade. Pois não é que lá estavam os segredos -- que o “animal” aqui tentou desvendar gastando seus dois neurônios (o tico e o teco) com operações matemáticas! --, cujo mistério se encontrava na química e física, e nada tinha a ver com Pitágoras.


Depois dos prolegômenos (crise de intelectualidade, pode ter certeza!), vamos ao que interessa. Tentarei simplificar ao máximo a explicação das causas científicas que nos levam a obter uma massa de torta/quiche boa (macia) ou ruim (dura), segundo o livro Um Cientista na Cozinha*:

1. As massas de torta/quiche são feitas basicamente com farinha de trigo, gordura e água (ou leite);

2. A farinha de trigo é composta na sua maior parte por carboidratos, que são os grãos de amido (75%), e por proteínas chamadas glúten (15%);

3. A massa mais simples que existe é feita apenas com farinha de trigo e água. Quando estes dois ingredientes são misturados, forma-se um material com consistência de uma goma espessa que não adere aos dedos. Por que se forma esse tipo de material? Porque a água se introduz entre os grãos de amido da farinha, penetra neles, e os liga fortemente entre si. Quando se leva ao forno esta massa, a temperatura da água aumenta e os grãos de amido incham, formando uma goma (lado esq. da foto 2). A água aos poucos se evapora e essas gomas se soldam umas às outras, originando no final do cozimento um bloco único de massa dura (o bolachão assassino!);

4. Quando se acrescenta manteiga (ou outra gordura: margarina, banha etc) e água à farinha, os grãos de amido ficam envolvidos pela manteiga, portanto separados uns dos outros. A água e a farinha ainda vão formar uma goma (ligação por atração entre os grãos), mas a manteiga separa as gomas individuais não deixando que haja uma forte ligação entre elas e, consequentemente, a massa fica mais mole, mais flexível (lado dir. da foto 2).

Quando se leva esta massa ao forno, a água gradativamente se evapora, mas como as gomas individuais ficaram separadas pela manteiga, ela se torna quebradiça, isto é, não deixa formar o bloco duro de goma resultante da união forte de todos os grãos amido da massa.

Após assada e fria, a massa continua quebradiça (por isto chamada de massa quebrada ou podre) porque a união entre as gomas individuais é feita pela manteiga solidificada, um tipo de ligação ou união muito fraca;

5. Ao terminarmos de fazer uma massa para torta/quiche, a qual leva manteiga e água (ou leite), devemos deixá-la repousar por um motivo muito simples: para permitir que a água migre entre os grãos de amido, e então penetre neles para formar diversas gomas individuais antes de ir para o forno e para fazer os grãos incharem quando receberem o calor do forno. Lembre-se: a manteiga que você colocou está envolvendo todos os grãos de amido, dificultando a penetração da água nestes grãos. Assim, faz-se necessário dar um tempo para a água ultrapassar a barreira de manteiga e penetrar nos grãos: que é o tal descanso ou repouso da massa tão aconselhado nas receitas.

Obs.: Ele não fala nada sobre a necessidade de pôr a massa na geladeira durante o descanso, recomendação que vemos frequentemente nas receitas, nem sobre quanto tempo de repouso ou descanso é preciso.

6. Devemos nos lembrar que a farinha também contém glúten, uma proteína que é ávida por água e que, na sua presença, forma uma rede superdura, embora elástica. Estas redes são criadas quando a massa é sovada. Quanto mais sovada for uma massa, mais dura ela ficará porque o glúten se coagula e forma as tais redes elásticas e duras.

Se você quer uma massa de torta supermacia e quebradiça, primeiro misture bem a farinha de trigo e a manteiga, envolvendo completamente os grãos de amido com esta gordura, e só depois acrescente a água e os outros ingredientes. Como os grãos de amido ficarão envolvidos pela manteiga, a entrada da água será dificultada, formando apenas as gomas necessárias. Se o amassamento for limitado (só o suficiente para misturar os ingredientes), não se criarão as redes de glúten, as quais fariam a massa de torta ficar dura. Lembre-se: sovar endurece a massa. Daí por que nas massas quebradas ou podres recomenda-se amassar delicadamente os ingredientes com as pontas dedos, isto é, não sová-las.

RESUMO:

1) Massa de torta/quiche supermacia e quebradiça obtém-se misturando primeiro a farinha de trigo e a manteiga (ou outra gordura) e só depois adicionando a água e os outros ingredientes. Por quê? Porque os grãos de amido envolvidos pela manteiga, quando entrarem em contato com a água, formarão somente gomas individuais, as quais não poderão se ligar fortemente -- criando uma massa dura durante o cozimento --, porque a manteiga impede essa ligação.

2)Deve-se deixar repousar a massa para que a água migre entre os grãos de amido e depois penetre nos mesmos, de modo a poder formar-se uma goma a frio e também para poder inchá-los durante o cozimento. Este processo demora porque a manteiga dificulta a passagem da água.

3) Para a massa ficar macia e quebradiça, amasse delicadamente com as pontas dos dedos, evitando sová-la, pois sovar faz o glúten coagular e formar redes duras e elásticas que enrijecem a massa.

4) Conclusão: o modo de fazer uma massa de torta/quiche é fator determinante na qualidade final da mesma.

Como sou igual a São Tomé, que só acredito vendo, testei a massa do Quiche de Palmito, Presunto e Mussarela fazendo-a de duas maneiras:

1ª maneira: colocando todos os ingredientes numa tigela, manipulando delicadamente com as pontas dos dedos, embrulhando em saco plástico hermético e deixando descansar 30 minutos na geladeira. Afinal, abrindo com rolo e assando em forno pré-aquecido a 235º por 2o minutos.

2ª maneira: colocando primeiramente a farinha de trigo e a manteiga numa tigela, misturando-as bem até obter uma farofa e só então acrescentando os outros ingredientes. No resto, fiz tudo igual ao da primeira maneira.

RESULTADO: A massa feita da 2ª maneira ficou muito mais macia que a feita da primeira maneira, o que significa que o dr. Hervé This realmente está certo, e que a maneira de fazer uma massa influencia diretamente na qualidade final da mesma.

-- Nasci professora, nasci para aprender e ensinar. Se você aprendeu algo com este post, minha gratificação será imensa. Se quiser algum esclarecimento, estou à sua disposição e o farei com o coração cheio de alegria.

Um grande abraço, Laura Lucia

Obs.: Sou totalmente responsável pela interpretação livre que dei a este capítulo do livro e por alguns enxertos que fiz, assumindo todo e qualquer erro a este respeito.

*Livro: Um Cientista na Cozinha, ed. Ática, 1996, p. 171-176